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Jovem Cientista | Depois de um acidente grave e 61 cirurgias, artista PCD encontra novo propósito na biomedicina: “O céu é o limite”

Especialista em toxinas de interesse em saúde pelo Butantan, Natasha Marques se divide entre ciência e arte para deixar sua contribuição no mundo


Publicado em: 28/03/2023

Amante do teatro desde pequena, a atriz e maquiadora Natasha Farias Marques sofreu um acidente de moto em 2014 que mudou o rumo de sua vida – inclusive a sua carreira. Voltando de um trabalho em uma festa infantil, foi atropelada por um caminhão e quebrou as pernas e o quadril. Ficou seis meses internada, passou por 61 cirurgias e muitas transfusões de sangue – e ainda convive com sequelas até hoje. E foram justamente os desafios que enfrentou dentro do hospital que fizeram seus olhos brilharem para outra área de atuação. Hoje, aos 30 anos, Natasha é biomédica e acaba de se formar no curso de especialização em Toxinas de Interesse em Saúde da Escola Superior do Instituto Butantan (ESIB), onde investigou a dor e inflamação induzidas pelo veneno da jararaca.

Durante os meses internada e próxima dos profissionais de saúde, a artista se fazia muitas perguntas que a levaram a se interessar pela ciência. “Eu nunca quis ser da área da saúde. Mas eu queria entender por que eu precisava fazer exame de sangue todos os dias, por que as minhas células não se regeneravam e por que todas aquelas complicações estavam acontecendo comigo”, explica.

Na faculdade de biomedicina, Natasha se encantou pela variedade de áreas em que poderia atuar, e estudou a variação da dor entre os sexos em uma iniciação científica na Universidade de São Paulo (USP). Ela aprendeu a fazer experimentos e viu como funciona a rotina de um pesquisador, mas a pandemia acabou impactando sua experiência prática em laboratório no último ano do curso. No Butantan, a estudante teve a chance de recuperar o tempo perdido e se preparar para um futuro mestrado.

“Hoje estou vivendo uma das melhores fases da minha vida. É um privilégio estar dentro do Instituto Butantan. Se eu consegui entrar aqui, o céu é o limite pra mim”

Natasha fez sua especialização no Laboratório de Fisiopatologia, orientada pela pesquisadora Renata Giorgi. Ela estudou a dor e inflamação induzidas pelo veneno da jararaca, e também a hipernocicepção (resposta aumentada à dor), fazendo uma vasta revisão da literatura sobre o tema. Sua monografia aborda as diferenças da dor entre os sexos como uma variável importante que deve ser considerada nas pesquisas científicas.




Acessibilidade e inclusão

“Precisei de muita terapia para me reconhecer como PCD [pessoa com deficiência]. Sempre vai doer, mas a cada dia vai doer um pouco menos. Sinto que uma Natasha morreu naquele dia e outra renasceu”

Hoje, a estudante faz acompanhamento médico com dez especialistas para tratar as sequelas do acidente. São muitas cicatrizes pelo corpo, duas ostomias (bolsa coletora de fezes e sonda para eliminar urina), uma prótese no quadril e quatro parafusos no joelho. E ainda é preciso lidar com a falta de acessibilidade no dia a dia. Natasha conta que, no início do curso, usava transporte público para ir ao Butantan, e depois conseguiu um serviço de transporte da prefeitura. “Eu sofria bastante no transporte público, mas quando chegava no instituto, era super acolhida. As pessoas aqui são cordiais, atenciosas com PCDs”, diz.

Natasha acredita que é preciso mais representatividade e diversidade, não só na ciência, mas em todos os espaços. E o diálogo com pessoas com deficiência é essencial para construir ambientes mais acessíveis e inclusivos. Nos laboratórios, bancadas mais baixas, por exemplo, são importantes para cadeirantes ou pessoas que não conseguem ficar muito tempo em pé, como é o caso da cientista.

“Aqui no Butantan, sinto que estou sendo ouvida. Sempre terá algo a melhorar, e é importante falar com quem vive aquela realidade. Não somos nós que temos que nos adaptar ao mundo; o mundo que deve se adaptar a nós”





Uma nova vida

Nove anos depois do acidente, Natasha ainda tem mais cirurgias para fazer, mas enxerga o seu presente – e o futuro – com otimismo. Ela se vê como uma pessoa mais forte, mais madura, inteligente e empoderada. Com a especialização concluída, a biomédica pretende seguir a carreira acadêmica e fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado. “Eu quero ser cientista para o resto da vida e poder fazer a diferença nesse mundo. Onde eu tiver espaço, onde eu tiver oportunidade, eu quero estar lá.”

Hoje, Natasha encontrou um equilíbrio entre ser cientista durante a semana e artista aos finais de semana. Na ciência, ela acredita que as suas contribuições podem ter grandes efeitos no futuro e impactar a vida das pessoas. Já na maquiagem, a estudante encontra uma forma de exercitar a sua criatividade e se manter conectada àquilo que sempre gostou de fazer.

“A deficiência não é doença; é apenas uma condição. Isso não te impede de seguir uma graduação, de ser cientista, de fazer o que você quiser na vida”


 

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Comunicação Butantan